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Feio, o gato

Editoria: Vininha F. Carvalho 05/08/2005

Todos no prédio de apartamentos onde eu morava sabiam quem era o Feio. Feio era o gato vira-lata do bairro. Ele adorava três coisas neste mundo: brigas,comer lixo e, digamos, amor. A combinação destas três coisas, adicionada a uma vida nas ruas, tinham causado danos em Feio.

Para começar, ele só tinha um olho, e no lugar onde deveria estar o outro olho havia um buraco fundo. Ele também havia perdido a orelha do mesmo lado, e seu pé esquerdo parecia ter sido quebrado gravemente no passado, e o osso curara num ângulo estranho, fazendo com que ele sempre parecesse estar virando a esquina. Feio havia perdido a cauda há muito tempo, e restava apenas um toco de cauda grosso, que ele sempre girava e torcia.

Todos que viam Feio tinham a mesma reação: Mas que gato feio! As crianças eram alertadas para não tocarem nele. Os adultos atiravam pedras nele, jogavam-lhe água com a mangueira, para espantá-lo, o enxotavam quando tentava entrar em suas casas, ou imprensavam suas patas na porta quando ele insistia em entrar.
Feio sempre tinha a mesma reação.

Se você jogasse água nele com a mangueira,ele não saía do lugar: ficava ali sendo ensopado até que você desistisse. Se você atirasse coisas nele, ele enroscava seu corpinho magricela aos seus pés pedindo perdão.

Sempre que via crianças, ele surgia correndo, miando desesperadamente e esfregando a cabeça em todas as mãos, implorando por amor. Quando eu o apanhava no colo, ele imediatamente começava a sugar minha blusa, minhas orelhas, ou o que encontrasse pela frente.

Um dia, Feio quis dividir seu amor com os huskies do vizinho. Eles não eram amistosos e feio foi ferido gravemente. Do meu apartamento eu ouvi seus gritos e corri para tentar ajudá-lo.

Na hora em que cheguei onde ele estava caído, parecia que a triste vida de Feio estava se esvaindo. Feio estava caído em uma poça de sangue, suas pernas traseiras e suas costas estavam totalmente disformes, um corte fundo na listra branca de pêlo atravessava seu peito.

Quando eu o apanhei e tentei levá-lo para casa, ele fungava e engasgava. Eu podia senti-lo lutando para respirar. Acho que o estou machucando muito, eu pensei. Então, eu senti a sensação familiar de Feio chupando minha orelha em meio a tamanha dor, sofrendo e obviamente, morrendo.

Eu o puxei para perto de mim e ele esfregou a cabeça na palma de minha mão,olhou-me com seu único olho dourado e começou a ronronar. Mesmo sentindo tanta dor, aquele gatinho feio, cheio de cicatrizes de suas batalhas, estava pedindo um pouco de carinho, talvez alguma comiseração.

Naquele instante, eu achava que o Feio era o gato mais lindo e adorável que eu já tinha visto. Em nenhum momento ele tentou me arranhar ou morder, nem mesmo tentou fugir de mim, ou se rebelou de alguma maneira.

Feio apenas olhava para mim, confiando completamente que eu aliviasse sua dor. Feio morreu em meus braços antes que eu
entrasse em meu apartamento. Eu me sentei e fiquei abraçada com ele por muito tempo, pensando sobre como este gato vira-lata deformado e coberto de cicatrizes havia mudado minha opinião sobre o que significava a genuína pureza de espírito e sobre como amar incondicionalmente.

Feio me ensinara mais sobre doação e compaixão do que qualquer ser humano. E eu sempre lhe serei grata por isto. Chegara a hora de eu seguir em frente e aprender a amar verdadeira e incondicionalmente.

Chegara a hora de eu dar amor aos que me eram caros, mesmo que meus olhos nunca tivessem visto nenhum deles. As pessoas acham mais fácil e mais prazeroso amar o belo, o perfeito, sem notarem que os feios, os tortos, os mancos, enfim, os deformados, sejam de corpos ou mentes, também podem e merecem ser amados.

Se vocês pudessem avaliar ou sentir como é quente e gostoso o abraço de alguém feio, de alguém deformado e que foge às regras e aos padrões de beleza...

Se vocês se permitissem essa sensação, talvez entenderiam e veriam os tantos gatos feios que a vida lhes coloca diante dos seus olhos todos os dias e vocês se negam a enxergá-los.

Muitas pessoas querem ser influentes, acumular dinheiro, ser bem-sucedidas, queridas, simpáticas ou belas, mas neste mundo cheio de intolerâncias devemos espalhar mais respeito aos demais seres viventes, sejam eles da mesma raça, mesma religião, mesma etnia que nós ou não; sejam feios ou bonitos aos nossos olhos tão desacostumados a ver, ou nossos ouvidos, que ainda não aprenderam a ouvir a real mensagem de Deus.


Autoria desconhecida.





Fonte: Leia Ferraz Maia